16 de março de 2011

PARECER DO DEPARTAMENTO JURÍDICO SIND-UTE SOBRE OFÍCIO -97/2011 QUE TRATA DO DIA DE FORMAÇÃO

PARECER DO DEPARTAMENTO JURÍDICO SIND-UTE SOBRE OFÍCIO -97/2011 
 TRATA DO DIA DE FORMAÇÃO

Por meio deste ofício o Secretário Municipal de Educação convoca os Professores PEB II das áreas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências para participarem de um curso de formação, fora da unidade educacional onde atuam. Diz o ofício, verbis:
“Os (as) professores (as) deverão comparecer nos dias e locais de formação, conforme cronograma nexo. O não comparecimento implicará no descumprimento do Estatuto do Servidor Público Art. 112, Incs. III,  IV e Art. 113, Inc. IV,  e  ainda,  a Lei 90/ 2010 em seu Art. 40, §1º, Inc.II. Neste caso a ausência será computada como falta no ponto gerencial”.(grifo nosso)

A questão em tese é saber se a convocação do secretário é legal e se este pode fundamentar-se em ofício para subtrair direitos explicitados em Lei superiores, bem como, se o não comparecimento do servidor ao local do curso, mas o cumprimento da jornada estipulada na Lei 90 na unidade escolar pode ser computado como falta. Vejamos o que diz os textos jurídicos citados pelo secretário:
                        Lei 2.160/90 Estatuto do Servidor Público Municipal de Contagem, verbis:
                               Art. 112 – São deveres do Servidor:
                                               (omissis)
                                               III – Observar as normas legais e regulamentares;
                IV – Cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente
                   ilegal;
Art. 113 – Ao Servidor Público é proibido:
                (omissis)
IV – Opor resistência injustificada ao andamento de documento, processo ou        execução de serviço.

Lei 90/2010
Art. 40 – A jornada normal de trabalho dos atuais professores corresponde A 22h:30min semanais, sendo 16 horas em sala de aula e 06h30min em atividades extra-classe.
§ 1º As horas de atividades extra-classes deverão ser destinadas:
                                                                                                       I.            À preparação e avaliação do trabalho didático;
                                                                                                     II.             À formação e desenvolvimento profissional;
                                                                                                   III.            Às atividades pedagógicas complementares;
                                                                                                   IV.            Às reuniões pedagógicas;
                                                                                                     V.            À articulação com a proposta pedagógica adotada no sistema de ensino municipal.
Primeiramente o que ressalta aos olhos do leitor é a semântica estrutural do texto. Os tempos verbais aplicados “deverão”, “implicará”, além de ser uma linguagem inadequada para os tempos modernos, não devendo ser empregada por administrações que tenham respeito pelos administrados, é uma linguagem que possui fortes vieses de autoritarismo, conotando não só abuso de autoridade, mas, também, viés assediador. Em tempos que a Líbia e o Egito convidam o mundo a uma reflexão, e os diversos Ramos do Direito caminha em uma modalidade heliocêntrica, tendo como centro o Direito Constitucional e, como eixo gravitacional, os Direitos e Garantias Fundamentais da Pessoa Humana, tal linguajar é politicamente repudiável. A coação e a ameaça ao corte de ponto, o pré-julgamento destes segmentos da categoria com a coação, presumindo que estes não queiram e nem deseje a formação, caracteriza assédio.
Salvo melhor juízo, a opinião desse departamento jurídico é de que este ofício/ ordem é manifestamente ilegal. Viola princípios constitucionais da Segurança Jurídica e, se concretizado, extirpa o direito a ampla defesa, punido o servidor antecipadamente com faltas em seu ponto gerencial. O direito/dever de convocar, não pode ser pensado dissociado do direito/dever de ofertar.
A ordem é manifestamente ilegal, pois modifica através de ofício, que não tem força de lei, conteúdo de lei superior, tanto no nível municipal, quanto federal, pois, afronta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).
O tempo de 06h30min previsto no caput do Art. 40, da lei 90 já mencionada é destinado, exclusivamente para todas as atividades enumeradas nos demais incisos do artigo. É tempo individual do professor, pautado no ordenamento federal e municipal. Ao usar o tempo ali previsto em sua integralidade em função apenas do inciso II, a administração modifica leis por meio de ofício. O que é tempo para o professor é subtraído e passa a ser tempo para o governo. Por ser tempo do professor, assegurado em lei, ele dispõe deste tempo se quiser. Qualquer penalização com falta no ponto gerencial do servidor, sem direito à ampla defesa, é passível de penalização por abuso de autoridade, tanto para quem deu a ordem, quanto para quem a executou.
O disposto no mencionado Art. 40, aplicado em conjunto com o Art. 67 da Lei 9.394/96 (LDBEN) deixa claro que a SEDUC tem dever de ofertar este tempo e não subtraí-lo. Vejamos LDB verbis:
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;
(...) omissis
V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;
VI - condições adequadas de trabalho.
Depreende-se da leitura do Art. 67 que esta lei faz distinção entre duas modalidades de tempo: tempo de formação e tempo para as atividades pedagógicas, como previsto no inciso II. O tempo delineado no Art. 40 da Lei 90 supracitada insere-se no tempo descrito no inciso V, apesar da sua redação infeliz “incluído na carga de trabalho”. 
A administração não pode querer forçar que o servidor abdique de um tempo que lhe é de direito ofertado em Lei, em função de sua omissão: não querer ofertar a formação nos termos do inciso II, como determina a lei maior da educação.
É cediço que a Administração tem o poder de convocatória. O poder de convocatória não pode ser confundido com o Direito de imposição. Plagiando o cientista político italiano, Norberto Bóbbio: “vivemos em uma era dos direitos”. Em uma cultura moderna baseada nos direitos e garantias fundamentais, tomar medidas administrativas apoiando-se no simplismo do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, é um contra senso.
Quanto ao corte de ponto vejamos o que diz o Estatuto do servidor, verbis:
                                   Lei – 2.160/90 – O Servidor perderá:
                                   I - A remuneração dos dias que faltar ao serviço;
II – A parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências e saídas antecipadas, iguais ou superiores a dez minutos;
Ora, a lei não diz que perderá direito à remuneração o servidor que deixar de obedecer a ordens superiores. É princípio do Direito Administrativo: a iniciativa privada pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, mais a administração pública só pode fazer aquilo que a Lei autoriza e determina. Se a lei não autoriza é proibido ao seu aplicador fazê-lo. Sobretudo, como ficou demonstrado, a ordem é manifestamente ilegal.

CONCLUSÃO: O servidor que optar por cumprir a jornada prevista no caput do Art. 40 da Lei 90/2011 de seis horas e trinta minutos na unidade escolar, ao invés de ir ao local do curso não poderá ser penalizado, pois se encontra no livre exercício de seu direito. Portanto, ao fazer tal opção este não está faltoso, não está obstruindo serviços, não está agindo em desacordo com as normas legais. Ao contrário, ninguém é obrigado a cumprir ordem superior quando estas são manifestamente ilegais. A insubordinação aqui insinuada não é do Servidor, mais da Secretaria de Educação, que se insurge contra o ordenamento jurídico e não executa corretamente a política nacional de educação deliberada pela LDB, no seu Art. 67. Esta tem o dever de ofertar o tempo pedagógico descrito no inciso II e não, sob aparência de legalidade, subtrair o tempo pedagógico determinado no inciso V.

OBS: Este parecer vale, também, para as situações em que determinadas pessoas investidas de autoridade possa querer forçar o Docente a ir para sala de aula em seu tempo pedagógico, substituir faltas de outros Docentes, com alegações de que a SEDUC ou a Proposta Pedagógica da Escola determinam. Quanto à SEDUC o que não está na Lei não pode ser aplicado, se não escreveu a norma não existe para o Direito Administrativo. O meramente verbal é ilegal. Tanto a SEDUC, quanto a proposta da escola são subordinadas às prerrogativas legais da LDB.

Salvo melhor juízo, é o parecer
ASSESSORIA JURÍDICA.
Contagem 24 de fevereiro de 2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário