As últimas semanas de maio foram marcadas, na África do Sul, por uma onda de ataques contra imigrantes estrangeiros. O rápido crescimento do número de mortos e feridos (negros de países como Zimbábue, Moçambique, Somália, Etiópia e Angola) expôs as terríveis conseqüências das políticas adotadas pelo Congresso Nacional Africano (CNA) desde que chegou ao poder, através do líder Nelson Mandela, em 1994.A onda de fúria deixou mais de 50 mortos e provocou a fuga desesperada de cerca de 100 mil estrangeiros. A enorme maioria era do Zimbábue, governado pela sanguinária ditadura de Robert Mugabe.Todos negros, evidentemente. Como também eram negros e miseráveis os milhares de sul-africanos que provocaram esse lamentável episódio.O alvo dos ataques são trabalhadores em busca de emprego, homens, mulheres, crianças, jovens e velhos. Gente vitimada pela “globalização” do desemprego e pelo aumento da miséria. Gente, resumindo, que só tinha uma diferença em relação à maioria daqueles que os atacaram: eram estrangeiros. A onda xenófoba (de intolerância com os estrangeiros) entre os sul-africanos mascara seus verdadeiros inimigos: as políticas neoliberais e imperialistas e a covarde submissão das elites e dos governos de países.
Da traição a um “novo” Apartheid
Em entrevista a “O Estado de S. Paulo”, em 2 de julho, o professor sul-africano Loren Landau, da Universidade de Witwatersrand, foi certeiro ao apontar as razões por trás da onda de ataques: “Os sul-africanos continuam tão pobres quanto há 15 anos, após o apartheid (...). O fracasso do governo em cumprir as promessas que fez em 1994 é a verdadeira causa da revolta. A frustração é tanta que a população só conseguiu expressá-la pela violência”.O fato de que os ataques xenófobos tenham explodido agora, depois de 14 anos de governos do CNA, é mais um infeliz resultado da traição de Mandela e seus companheiros. Foi exatamente no momento em que a maioria do povo via reais possibilidades de derrubar o apartheid e aqueles que mais se beneficiavam com a opressão, que o CNA desviou as lutas para o beco sem saída da conciliação de classes. Na virada dos anos 1980, quando greves, manifestações e protestos destruíam a estrutura do sistema, o CNA abandonou a luta direta contra o regime. Assim, partiu para uma vergonhosa negociata com os dirigentes racistas. O acordo, expresso em sucessivos governos formados em aliança com a velha elite racista sul-africana, acabou com as bases legais do apartheid. Mas se manteve toda estrutura econômica que garantia à minoria branca o poder para super-explorar a maioria negra. Dessa forma, manteve-se a maioria negra do país na mais absoluta miséria. Uma situação em muito agravada pela submissão do CNA ao receituário do FMI. E o resultado não poderia ser outro: aumento do desemprego, perda de direitos e criação de condições de trabalho cada vez mais opressivas.
Uma diáspora sem fim
Apesar de um índice de desemprego que atinge a casa dos 40%, a África do Sul ainda é vista como um oásis de oportunidades para as massas dos países vizinhos, onde a combinação de saque imperialista, ação predatória de governos corruptos, epidemias e guerras resultou em situações ainda mais catastróficas.Exemplo disto é o Zimbábue. Três das cinco milhões de pessoas que migraram para a África do Sul vieram deste país, cujo desemprego atinge 80% da população e a inflação chega a inacreditáveis 165.000%.Ao imigrarem para o vizinho mais rico da região, esta massa de desesperados submete-se a todos os mecanismos de superexploração da “ilegalidade”: salários de fome, condições de trabalho parecidas com a escravidão, absoluta falta de acesso a direitos mínimos, como saúde e educação, e nenhuma assistência por parte do governo sul-africano de Thabo Mbeki.A massa de refugiados é vista de maneira errada pelos explorados sul-africanos como responsável pelo aumento das filas de desempregados e pela crescente criminalidade que se espalha pelo país. Daí a serem transformados em alvo de furiosos ataques, foi uma questão de tempo.
Fúria anunciada
O criminoso descaso do governo do CNA ficou claro na postura adotada pelo presidente Mbeki, que só teve coragem de comentar o assunto mais de vinte dias depois do início dos ataques. Também não demorou para ficar claro que a tragédia já estava anunciada há muito tempo. Além do evidente clima de insatisfação nas ruas, o governo já havia sido avisado por embaixadores de vários países, fato admitido pelo próprio governo Thabo Mbeki.As críticas à forma como o governo lidou com a situação abalaram ainda mais a credibilidade do já enfraquecido presidente. Um dos principais jornais do país, The Sunday Times, chegou a estampar a manchete “Senhor presidente: por favor, renuncie agora”.
Os verdadeiros responsáveis
Já não são poucos os que, apesar de ainda reconhecerem seus antigos dirigentes na luta contra o apartheid nas figuras que, hoje, estão instaladas no poder, já percebem que eles nada têm a ver com seu passado de glórias. Enquanto a enorme maioria da população negra continua vivendo amontoada nos miseráveis “townships” (as favelas locais), a nata do governo, seus funcionários, muitos deles ex-combatentes da luta contra o apartheid, e seus parceiros, dividem a vizinhança com a elite branca.São eles os verdadeiros responsáveis pelo escandaloso caso de xenofobia que manchou a história de um país que abriga um dos povos que mais lutou no século passado. Foi o governo do CNA, apoiado pelo imperialismo internacional e com a ajuda de seus corruptos parceiros instalados no poder, que deu origem às condições que levaram às bárbaras cenas.Esse sentimento, inclusive, também foi expresso pelos milhares de manifestantes que, apesar e contra a vontade política do governo, saíram às ruas para protestar contra a opressão xenófoba. Em meio às passeatas, em cidades como Durban, Cidade do Cabo e Johannesburgo, não faltaram faixas e protestos exigindo mais empregos, salários dignos e o fim do planos neoliberais do governo.Por isso mesmo, é preciso não somente denunciar esta situação, dando nossa solidariedade aos imigrantes espalhados pela África, como também chamar o povo africano a dirigir sua justificada fúria contra os reais causadores da miséria e das péssimas condições de vida em que vivem.
Do portal Opinião Socialista
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